Solange Peixinho ┼ (2010)

A professora Solange Peixinho faleceu hoje, na manhã do dia 11 de novembro, em Salvador, Bahia. Embora eu não conheça detalhes de sua vida pessoal, que muito provavelmente serão acrescentados a posteriori neste texto, tive a grande felicidade de conhecer Solange em 1999, em Salvador. À ocasião, fiquei absolutamente encantado e profundamente tocado pela personalidade de Solange.

Quem não ficaria?

Solange era, sobretudo, uma pessoa extremamente humana, sensível e apaixonada pela vida. Sua risada era absolutamente contagiante, e seu espírito se espalhava rapidamente por entre os presentes que estivessem à sua volta. Colegas estrangeiros que a conheceram também manifestaram seu encantamento pela Solange.

Solange se graduou em História Natural (onde tem este curso hoje em dia?), pela Universidade Federal da Bahia, em 1970. Entre 1971 e 1973 desenvolveu e defendeu sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo sob orientação da Profa. Liliana Forneris (USP) e do Professor Radovan Borojevic (UFRJ). O Prof. Radovan Borojevic foi o pioneiro do estudo das esponjas marinhas no Brasil. Com uma excelente formação, e já professora do Departamento de Zoologia, Instituto de Biologia, da Universidade Federal da Bahia em 1974, Solange seguiu para seu doutorado sob a orientação de ninguém menos do que o grande Claude Lévi, no Musée d’Histoire Naturelle de Paris. Lévi é considerado um dos maiores espongólogos de todos os tempos.

Solange casou-se na França, mas voltou ao Brasil, onde radicou-se definitivamente em Salvador, exercendo desde então a função de curadora da coleção de Porifera da Universidade Federal da Bahia. Cabe assinalar que a Baía de Todos os Santos é uma região com uma diversidade incrível de esponjas marinhas, e, desta maneira, Solange teve muito trabalho ao longo de toda sua vida. Formou alguns dos mais importantes especialistas em biologia de esponjas do Brasil, como Eduardo Hajdu e Guilherme Muricy, ambos curadores da coleção de Porifera do Museu Nacional do Rio de Janeiro.

É uma mistura de muita dor e satisfação observar que, entre as 10 publicações mais recentes de Solange em seu CV Lattes, 7 são em co-autoria com meus alunos, meus colaboradores, comigo, com Eduardo Hajdu. Isso porque não foi possível incluir nosso último artigo juntos, recém publicado na revista Química Nova. Por isso, os leitores compreenderão perfeitamente a importância de Solange para a ciência da zoologia no Brasil, e também para a química de produtos naturais de organismos marinhos.

Juntamente com Eduardo Hajdu, Solange estava escrevendo o Guia de Identificação das Esponjas da Baía de Todos os Santos.

Foi com muita tristeza que recebi a notícia do falecimento de Solange, enviada pelo colega Prof. Silvio Desterro da Cunha do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia.

Solange fará falta. Muita falta.

No estacionamento do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, em 1999. Da esquerda para a direita: Profa. Rosana Moreira da Rocha (Departamento de Zoologia, Setor de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná), eu mesmo, Cristininha (aluna do Eduardo), o próprio Eduardo Hajdu (MNRJ-UFRJ), Eduardo Leal Esteves, Solange Peixinho.

A galera dando duro depois de um dia de coleta, em 1999. Da esquerda para a direita: Eduardo, eu, Cristininha e Eduardo Leal Esteves. Solange não está na foto, mas a foto foi tirada no laboratório de Solange, na UFBA. A parte de documentação das coletas é extremamente importante, e deve ser feita no mesmo dia.



Categorias:biodiversidade, ciência

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8 respostas

  1. Uma perda irreparável para a espongiologia brasileira. Solange possui uma didática fenomenal.

  2. Prof. Roberto

    A homenagem que o senhor faz aqui me toca muito e fico bastante grato. Fui aluno de Solange de 2000 a 2005, a ela sou muito grato pelos ensinamentos científicos e de vida. Quem conviveu com ela sabe como era obstinada quanto à formação dos jovens IC e o quanto primava pela qualidade dos trabalhos. Lembro-me muito bem dos incontáveis dias em que largava todas as atividades para discutir comigo cada detalhe das descrições e cada categoria de espícula e arquitetura esquelética que observávamos ao microscópio. Também tenho muito claro na minha memória as tardes que passávamos conversando e os conselhos que me dava.
    Solange tinha um jeito todo especial de ser, quando questionada nunca dava a resposta esperada ou ortodoxa. Quando se encontrava em meio a uma situação embaraçosa sempre tinha uma frase que desconstruía o momento. Quando ouvia uma proposta de trabalho sempre tinha uma contraproposta brilhante, conseguia ver além da maioria e estava um passo a frente dos demais.

    Foram muitas as histórias, como seu encontro com Tom Jobim na França ou os saraus com João Ubaldo Ribeiro, ou mesmo quando ela numa barraca de praia, quando questionada sobre a importância das esponjas, roubou a atenção dos freqüentadores falando sobre as esponjas que complexam ouro. Era uma mulher cheia de vida e intensa. Solange, como disse o professor Roberto, tinha um sorriso iluminador.

    Foram muitos os momentos maravilhosos e uma lembrança que sempre deixarei vívida, na minha mente, é a dela saindo de sua sala e entrando no laboratório. Acompanhava a música que tocava ao fundo, eu sempre colocava um música já que ambos gostávamos, e ela cantava lindamente.

    Solange era uma pessoa muito espiritualizada e acredito que ela apreciará cada oração que for feita em sua intenção.

    Bruno Cosme

  3. Ao visitar a Bahia em uma expedição organizada pelo Berlinck, conheci pessoalmente a Solange Peixinho. A Solange era uma pessoa de bom coração e alma, e atenciosa com todos ao seu redor. A Solange deve ter sido uma grande mãe para o Guilherme Muricy e o Eduardo Hajdu, entre outros alunos que tiveram o prestígio de adquirir os seus conhecimentos convivendo com ela. Presto aqui minha singela homenagem a esta Esponjóloga brasileira. Deus abençoe esta pessoa que agora descansa em Paz.

    Eduardo Leal Esteves.

  4. Caros colegas: Agradeço de coração as mensagens e em especial as homenagens de Berlinck e Gisele e Eduardo, em nome da FAMILIA LABPOR, como vínhamos chamando nosso grupo desde 2009, quando ainda passamos o Natal com Solange, em sua casa. Quero externar aqui nossa profunda tristeza por termos sido privados desta presença cheia de vida e energia, alegria e determinação, que era Solange. Muitos podem pensar que vim para a Bahia para substitui-la, isso jamais passou por minha mente ou coração, sempre tive comigo que viria somar e construir com ela um grupo mais forte, e se hoje tenho este maravilhoso lugar, forrado de esponjas coloridas e com águas mornas e claras, é porque ela batalhou demais pela garantia de minha vaga no concurso feito em 2003, quando ja impossibilitada de atuar como docente devido à sua doença renal, pediu uma reunião cujo ponto de pauta intitulou: “Linha de Pesquisa Biologia de Porifera: Supressão ou Expansão?” Desta forma, tive minha contratação viabilizada por uma vaga de professor equivalente, dada a validade ainda vigente do concurso a que me submeti. Hoje nosso corredor, nosso laboratorio, estão vazios… mas estamos certos que Solange está amparada pelos amigos espirituais a quem tanto submetia suas indagações e reflexões. Deixo abaixo a frase que embalou as primeiras horas de seu sono nesta nova etapa de sua vida, onde tomei a liberdade de incluir a todos nós, seus colegas, alunos e amigos de varias universidades do Brasil: “QUE SEJA DE LUZ SUA JORNADA ESPIRITUAL, COMO FOI DE LUZ SUA CONVIVÊNCIA ENTRE NÓS E SUA ATUAÇÃO NA UFBA”.
    COM SAUDADE E CARINHO: FAMÍLIA LABPOR E SEUS ETERNOS AMIGOS E ALUNOS DA UFRJ, USP E UERJ.
    ABRAÇOS A TODOS, E NÃO DEIXEM DE NOS VISITAR SEMPRE QUE PUDEREM.
    CARLA MENEGOLA

  5. Gostaria de deixar aqui uma mensagem sobre a Profa. Solange Peixinho.

    Quando comecei a graduação em biologia não sabia com o que trabalhar, só sabia que adorava estudar biologia e em particular a zoologia. Ao ter contato com a matéria “Sistemática e Biogeografia”, fiquei encantado e decidi que era isso que procurava. Muito entusiasmado eu fui perguntar ao meu Professor se ele teria vaga para um estagiário. Felizmente ele não tinha e me indicou que fosse ao Laboratório Biologia de Porifera (LABPOR) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e que falasse com a Profa. Solange Peixinho.

    Conheci a Solange no ano de 2005. Ela me deu oportunidade de estágio e de ser minha amiga também. Nossa convivência foi marcada por momentos de duros ensinamentos acadêmicos e por sábios ensinamentos da vida. Sua rigidez, perfeccionismo e compromisso com o trabalho me deixou encantado, mas muitas vezes era difícil cumprir todas as suas exigências. Quanto mais eu tentava fazer tudo direito, mais ela me exigia. Haviam dias que dava vontade de sair porta fora e desistir de tudo. Mas fui me apaixonando pelas adoráveis esponjas que tanto Solange amava. Por problemas particulares tive que sair do laboratório no final de 2006 e passei um ano longe das esponjas. Após esse afastamento eu fui conversar com a Solange e a mesma me deu outra oportunidade. Desde então, me empenhei mais e mais. Solange ficou muito feliz com a minha volta e com o meu progresso como taxonomista. Sempre me incentivava com as pesquisas e elogiava quando eu fazia as coisas certas.

    Bom, Solange foi responsável por tudo que conquistei profissionalmente. Além disso suas conversas, conselhos e modo de encarar a vida me fez exergar a vida de uma perspectiva diferente, melhor, mais animada, mais suave. Ela foi uma Mãe para mim. Sinto que eu precisava tê-la conhecido e que seu papel em relação a mim foi cumprido. Enfim, tive a oportunidae de conviver com essa pessoa maravilhosa por cerca de cinco bons anos. E apesar de estar sendo muito difícil ter que ir trabalhar e continuar os projetos sem sua orientação, eu estou muito feliz por tudo que ela me deixou. Hoje eu entendi o porque de tanta rigidez e agradeço por ter sido assim. Sinto muita saudades por ela não está mais fisicamente entre nós, mas ela sempre estará viva e sorrindo em meu coração…

    Obrigado por tudo Solange!
    Que você esteja em paz e com Deus.

  6. Conheci Solange quando ela tinha 22 anos. E cantava. Ela foi a segunda mulher do meu primeiro marido, Sérgio Rodrigues, e ficamos muito amigas. Também aprendi muito com ela, embora fosse mais velha. O último e-mail que ela mandou mal consegui ler porque ela já estava muito doente, mas nunca abatida. Ela sabia que morrer não é difícil. Espero que o único filho dela esteja bem. Hasta la vista, Solange.

  7. Mesmo que tenha passado um bom tempo quero deixar aqui registrado a alegria de ter conhecido a “pró” Solange. Ela orientou minha monografia de bacharelado. Apenas hoje lendo o blog soube que ela tinha desencarnado, moro fora e não estava em contato com ela desde o final do meu mestrado na UFBA. Durante a nossa convivência tive a oportunidade de aprender muitas coisas, não apenas sobre esponja. Lembro claramente da sua risada contagiante e do otimismo que era uma das suas muitas características marcantes.

    Obrigada por tudo, “pró”! Muita paz.

  8. Ainda hoje, penso na Solange. Ela morreu em 2010, mas ainda hoje, 2023, ouço a voz dela em minha memória. Logo nos veremos, amiga.

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