Fungos ajudaram a “esverdear” a Terra

A colonização da Terra por plantas terrestres ocorreu há aproximadamente 450 milhões de anos. Até então, tudo era muito cinza. Os níveis de O2 (oxigênio) na atmosfera ainda eram muito baixos. Mas aparentemente, o “trabalho em equipe” promoveu uma alteração significativa na paisagem.

Em 1975, Pirozynski e Malloch sugeriram que fungos micorrízicos1 colaboraram com as plantas para tornar a Terra “mais verde”. Os autores sugeriram que a associação entre os fungos e as plantas deveria ser de natureza mutualística (de benefício para ambos fungo e planta): o fungo melhoraria a assimilação de minerais e água pela planta, e em troca receberia nutrientes formados através do processo de fotossíntese. Tal proposta foi parcialmente confirmada anos depois por análises do registro fóssil e também de mudanças genéticas, de acordo com “relógios moleculares”. Fungos que estabeleceram tais relações são denominados fungos micorrízicos arbusculares (AMF, arbuscular mycorrhizal fungi)

Recentemente, pesquisadores da University of Sheffield (Reino Unido), University of Sydney (Australia) e do Imperial College of London (Reino Unido) realizaram uma série de experimentos para confirmar a proposta de Pirozynski e Malloch. Para tanto, utilizaram a hepática de talos Marchantia paleacea. As hepáticas (plantas da superdivisão Bryophyta) constituem um dos mais primitivos grupos de plantas2. Os autores incitaram a colonização de M. paleacea com AMF, obtendo propágulos vegetativos não-infectados da planta, os quais foram crescidos em solo sem a presença de AMF ou em solo contendo gametófitos3 colonizados com AMF. Desta forma, esperavam observar a formação de associações simbióticas entre os fungos e M. paleacea.

Gametófitos de M. paleacea foram crescidos em associação com AMF e sem associação com AMF, em concentrações “normais” de CO2 (400 ppm) e em concentrações elevadas (1500 ppm). A concentração elevada de CO2 utilizada é representativa das condições atmosféricas da era Paleozóica. As plantas também foram crescidas na presença de sais de nitrogênio e de fósforo, tanto em concentrações baixas como em concentrações médias.Tais concentrações de sais foram utilizadas por corresponder a condições oligotróficas do ambiente terrestre do início do Paleozóico, e de ambientes ricos em nutrientes, respectivamente.

Os resultados obtidos indicaram que os AMF estabelecem simbiose mutualística com M. paleacea. A simbiose melhorou o crescimento da planta, bem como sua capacidade de assimilar nutrientes, especialmente fósforo. Além disso, a plantas mostraram suportar o aumento de biomassa dos AMF no solo. Os benefícios para a planta demonstraram ser ainda melhores quando observadas em altas concentrações de CO2, que deve ter sido um fator preponderante no estabelecimento da simbiose AMF-briófitas na primeira fase de colonização das plantas sobre a Terra no início do Paleozóico.

Os experimentos realizados mostraram que a planta M. paleacea foi amplamente colonizada por AMF no seu parênquima cortical4. Quando se comparou plantas sem associação com os AMF e com associação comos  AMF, verificou-se que as últimas apresentaram muito melhor assimilação de CO2. Observou-se um aumento da biomassa das plantas de um fator de 1,7 quando estas estiveram sujeitas à colonização por AMF ou a um aumento da disponibilidade de nutrientes. O aumento da concentração de CO2 promoveu um aumento da biomassa da planta de um fator de 1,2. Quando se mediu o aumento da biomassa das plantas sujeitas aos três fatores concomitantemente (colonização por AMF, disponibilidade de nutrientes e grandes concentrações de CO2), o aumento de biomassa medido foi de um fator de 3,4. Este aumento foi mais significativamente influenciado pela associação com os AMF e pela disponibilidade de nutrientes (fator de aumento de biomassa de 2,9, relativamente ao desenvolvimento das plantas crescidas sem associação com os AMF, sem adição de nutrientes e em “concentrações normais” de CO2).

A associação de M. paleacea com AMF resultou em uma maior produção de propágulos reprodutivos assexuados nos AMF5. Concentrações elevadas de CO2 também promoveram um aumento das estruturas reprodutivas. Em conjunto, a associação da planta com os AMF e altas concentrações de CO2 aumentaram consideravelmente a dispersão assexuada da planta e a colonização de novos habitats. Além disso, a associação de M. paleacea com os AMF aumentou significativamente (de 70%) a assimilação de fósforo  tanto em ambiente com concentração normal de CO2 como em ambiente com concentrações elevadas deste gás. Uma disponibilidade limitada de fósforo inibe severamente o crescimento da hepática; sendo assim, uma das funções primárias observadas para a associação M. paleacea-AMF é a de aumentar a captura de fósforo para que ocorra um incremento da biomassa vegetal, do crescimento e da reprodução. Logo, a associação AMF-M. paleacea foi essencial para a colonização do ambiente terrestre.

A pesquisa comprovou, sem qualquer ambigüidade, a existência de uma simbiose do tipo mutualismo entre fungos endossimbióticos do tipo glomeromicetos6 e uma planta não vascular primitiva que ocupa o nódulo mais basal da árvore filogenética das plantas terrestres. Outros estudos recentes demonstraram a transferência vertical (geração após geração) de genes de formação de micorrizas a partir de gametófitos de hepáticas para plantas vasculares. O maquinário genético que regula a simbiose de micorrizas é altamente conservado através de táxons vegetais filogeneticamente divergentes. As evidências de transferência vertical através de gerações confirmam que as plantas evoluíram a partir de um único ancestral micorrízico comum. Tal como as hepáticas, plantas dos gêneros Lycopodium, Botrychium, Ophioglossum e Psilotum são parasitas micoheterotróficos de seus parceiros fúngicos do grupo Glomus Ab, os quais obtém carbono a partir de CO2 através da formação de associações micorrízicas com plantas sorófitas ou outras plantas autotróficas.

Os resultados obtidos evidenciam a importância das associações micorrízicas em plantas superiores. Tais associações foram essenciais para a ocupação do ambiente terrestre há mais de 400 milhões de anos. Tanto a alta concentração de CO2 como a disponibilidade de fósforo influenciaram o crescimento e a reprodução das plantas naquele momento, e certamente criaram condições para uma forte pressão seletiva que favoreceu o estabelecimento de associações do tipo micorrízas entre os AMF e as plantas gametófitas, então dominantes. A subseqüente evolução destas alterou de maneira definitiva a ecologia e o clima da Terra.

Notas

1. Definição da Wikipédia: As micorrizas formam-se quando as hifas de um fungo invadem as raízes de uma planta. As hifas vão auxiliar as raízes da planta na função de absorção de água e sais minerais do solo, já que aumentam a superficie de absorção ou rizosfera. Deste modo as plantas podem absorver mais água e adaptar-se a climas mais secos. Os fungos, como “pagamento” dos seus serviços, recebem da planta os fotoassimilados (carboidratos), que necessitam para a sua sobrevivência e que não conseguem sintetizar, pois não possuem clorofila.

2. Definição da Wikipédia: Hepáticas são plantas da divisão Marchantiophyta, também conhecida como Hepaticophyta ou então da classe Hepaticae, com cerca de 6000 espécies, que constituem, junto com os antóceros e musgos, as briófitas.

3. Definição da Wikipédia: Em botânica, chama-se de gametófito a fase haplóide das plantas cujo ciclo de vida apresenta alternância de gerações. O gametófito produz gametas que dão origem ao esporófito, uma planta diplóide multicelular que, por meiose, irá produzir esporos haplóides, que darão origem a novos gametófitos.

4. Definição da Profa. Dra. Neuza Maria de Castro: O parênquima é o principal representante do sistema fundamental de tecidos, sendo encontrado em todos os órgãos da planta, formando um contínuo por todo o corpo vegetal: no córtex da raiz, no córtex e na medula do caule e no mesofilo foliar. O parênquima pode existir ainda, como células isoladas ou em grupos, fazendo parte do xilema do floema e da periderme.

5. Definição: Os propágulos ou órgãos de disseminação dos fungos são classificados, segundo sua origem, em externos e internos, sexuados e assexuados. Embora o micélio vegetativo não tenha especificamente funções de reprodução, alguns fragmentos de hifa podem se desprender do micélio vegetativo e cumprir funções de propagação, uma vez que as células fúngicas são autônomas. Os propágulos assexuados internos se originam de esporângios globosos, por um processo de clivagem de seu citoplasma, e são conhecidos como esporoangiósporos ou esporos. Pela ruptura do esporângio, os esporos são liberados.

6. Definição dos professores Francisco Adriano de Souza e Ricardo Luís Louro Berbara: Os glomeromicetos são biotróficos obrigatórios. Essa característica é esperada em simbioses altamente evoluídas, em que o microsimbionte se torna totalmente dependente do macrosimbionte. Como conseqüência, esses fungos precisam estabelecer simbiose com raízes de plantas compatíveis para que possam completar seu ciclo de vida.

Agradecimento: à Sibele Fausto, por ter conseguido uma cópia do pdf do artigo, uma vez que o periódico Nature Communications não é assinado no Brasil.

ResearchBlogging.orgHumphreys, C., Franks, P., Rees, M., Bidartondo, M., Leake, J., & Beerling, D. (2010). Mutualistic mycorrhiza-like symbiosis in the most ancient group of land plants Nature Communications, 1 (8) DOI: 10.1038/ncomms1105



Categorias:biodiversidade, evolução

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2 respostas

  1. Oi, Roberto!

    Interessante como essa pesquisa reproduz o “trabalho de equipe” há pelo menos 450 milhões de anos, considerando a dimensão temporal do surgimento da biodiversidade. Está bem de acordo com a ideia expressada nos estudos de longa duração que possibilitam um entendimento da evolução da biodiversidade considerando as escalas espacial e temporal de forma mais ampliada.

    Artigo interessante mesmo! Nada como um bom networking, certo? 😉

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