Terpenos: Prêmio Nobel de 1910

Terpenos são substâncias químicas extremamente importantes do ponto de vista econômico, da saúde e também no que se refere à evolução biológica. O cheiro de grama cortada, por exemplo, se deve a alguns hemiterpenos. A cânfora (princípio aromático do Vick-Vaporub e do álcool canforado), o limoneno (que têm 2 isômeros, um da laranja e outro do limão), o mentol (substância responsável pelo sabor e aroma da menta, ou hortelã), e muitos outros aromas de plantas como o orégano, o tomilho e o basílico, são monoterpenos. O colesterol é um triterpeno degradado. O b-caroteno, presente na cenoura e em outros vegetais, é um tetraterpeno. A vitamina D, essencial para a saúde dos ossos, também é um terpeno, bem como o retinal que participa no processo de visão no sistema ocular.

Mas, o que são terpenos?

Terpenos são substâncias derivadas de uma unidade básica comumente chamada de isopreno, a qual, na verdade, se origina a partir de pirofosfato de dimetilalila ou de pirofosfato de isopentenila. O leitor atento que não está familiarizado com o assunto poderá perceber que uma unidade de isopreno apresenta 5 átomos de carbono. Estas unidades se condensam, dando origem a monoterpenos (com 2 unidades isopreno e 10 átomos de carbono), sesquiterpenos (3 unidades isopreno e 15 átomos de carbono), diterpenos (4 unidades isopreno e 20 átomos de carbono), sesterterpenos (5 unidades isopreno e 25 átomos de carbono), triterpenos (6 unidades isopreno e 30 átomos de carbono), tetraterpenos (8 unidades isopreno e 40 átomos de carbono) ou borracha (que é um polímero de isopreno).

A química dos terpenos começou a ser explorada por Otto Wallach, nascido em 1847 na Alemanha. Em 1856 Wallach tomou conhecimento da química ao iniciar seus estudos no Humanistiches Gymnasium. Wallach foi um apaixonado pela experimentação e pela análise química, além de gostar de filosofia, literatura alemã e arte contemporânea. Em 1867, Wallach se mudou para Göttingen para estudar química e se doutorar sob a supervisão de Friedrich Wöhler (o fundador da química orgânica moderna, ao ser o primeiro a sintetizar uma molécula orgânica: a uréia). Wöhler tinha dois assistentes, Hans Hübner e Rudolph Fittig, e designou o primeiro para supervisionar Wallach. Hübner havia anterioremente sido supervisionado por August Kekulé, e o doutorado de Wallach teve por objetivo determinar a estrutura dos isômeros formados a partir da bromação do tolueno. Wallach se doutorou em 5 semestres, e permaneceu em Berlim trabalhando como assistente de Hermann Wichelhaus por pouco tempo, até que Hübner o apresentou a Kekulé. Em 1870 Wallach foi aceito como assistente (o atual pesquisador de pós-doutorado) de Kekulé.

Já em 1871 Wallach conseguiu um emprego como químico industrial na AGFA, a mesma empresa que até hoje fabrica filmes fotográficos (Aktiengesellschaft für Anilinfabrikation, Empresa para a Fabricação de Anilina). No entanto, a convivência com uma química extremamente agressiva de compostos clorados afetou fortemente a saúde de Wallach, e ele deixou a empresa em pouco tempo. Em 1872 Wallach foi aceito por Kekulé como supervisor de química prática. Neste época, Wallach conheceu e estabeleceu amizade com Jacobus van’t Hoff, que em 1874 proporia a estrutura tetraédrica do átomo de carbono ao mesmo tempo que Joseph Le Bel. Pode-se dizer que nesta época Wallach atuava profissionalmente no centro do desenvolvimento da química orgânica moderna, empenhando toda sua energia à pesquisa e ao preparo de suas aulas.

Em 1876 Wallach foi promovido a professor associado, sendo substituído da posição de supervisor por Ludwig Claisen. Ao ser convidado para ocupar o cargo de professor na Technische Hochschule, em Darmstad, ao final de 1880, Wallach aproveitou desta oportunidade para ter melhor reconhecimento em Bonn. Foi indicado para ser diretor do departamento farmacêutico e responsável pela seção da química para as ciências naturais, aumentando sua influência sobre os estudantes de ciências naturais. Wallach foi posteriormente convidado, mas não aceitou, para ir para Zürich (Suíça) em 1884 e para Würzburg em 1885. Emil Fischer foi quem assumiu o cargo de Würzburg.

Em 1884, aos 37 anos, Wallach tomou conhecimento de uma coleção de “óleos etéreos” de Kekulé, que este tinha recebido de presente da companhia E. Sachsse (Leipzig). Wallach pediu permissão para Kekulé para investigar a química dos “óleos etéreos”, e teria supostamente recebido como resposta uma frase e um sorriso irônico: “Sim, se é que existe algo para ser investigado ali”. Wallach foi rapidamente cativado por esta nova área de pesquisa, pouquíssimo explorada até então. No mesmo ano (1884) Emil Fischer iniciou seus estudos de elucidação estrutural da glicose.

Naquela época já se sabia que os monoterpenos tinham fórmula geral C10H16, que os alcoóis terpênicos apresentavam fórmula C10H16O e que as cetonas terpênicas tinham fórmula C10H14O. Tanto Wallach quanto Fischer aceitavam a teoria de van’t Hoff e Le Bel da estrutura tetraédrica do átomo de carbono, que mostrou ser fundamental para o estabelecimento da estrutura dos terpenos e dos açúcares. Ao aceitar a estrutura tetraédrica para o átomo de carbono, tanto Wallach quanto Fischer tinham conhecimento de que as estruturas orgânicas destas substâncias deveriam apresentar estereoisômeros, e que a ausência de atividade ótica deveria implicar no fato de que tais compostos deveriam apresentar um plano de simetria. Este era um problema muito sério à época, que exigia muito raciocínio e trabalho experimental para se demonstrar qual isômero corresponderia à verdadeira estrutura sob investigação. Porém, os problemas de Wallach e Fischer não terminavam ali. Fischer tinha que lidar com líquidos viscosos, xaropes e massas com textura de caramelo oriundas de suas manipulações com açúcares, enquanto que Wallach tinha que tomar cuidado com a susceptibilidade dos terpenos em se degradar, em se oxidar e em sofrer rearranjos (inclusive via carbocátions não-clássicos, que foram objeto de debate mais de 60 anos depois por Herbert Brown e George Olah).

Wallach obteve os primeiros frutos de sua nova linha de pesquisa em 1888, com a descoberta de que um di-penteno previamente considerado uma única estrutura era, na verdade, a mistura racêmica de (+)-limoneno e (-)-limoneno.

Em 1889 Wallach foi indicado para suceder Wöller em Göttingen. Por dispor de muito mais recursos, a pesquisa de Wallach deslanchou. Em 1991, Wallach apresentou uma conferência ao Deutsche Chemische Gesellschaft em que definiu seus objetivos futuros:

1. Estabelecer de maneira clara e objetiva as características e propriedades de todos os terpenos, de tal forma que cada um destes pudesse ser reconhecido e diferenciado;

2. Estabelecer correlações estruturais entre os terpenos individuais.

3. Iniciar a pesquisa na determinação estrutural e síntese dos terpenos isolados.

O interessante foi Wallach ter proposto estabelecer correlações entre os terpenos antes de conhecer suas estruturas. Wallach constituiu uma coleção de substâncias, e informações sobre as mesmas, utilizando somente dados de derivatização química, por métodos químicos considerados atualmente bastante rudimentares, além de propriedades físicas como ponto de ebulição, densidade, comportamento ótico (desvio da luz plano-polarizada e medida de índice de refração), bem como medidas de ponto de pusão e formato de derivados cristalinos. Wallach estabeleceu o primeiro mapa de interconversões entre os terpenos em 1891 (clique na figura para ampliar).

Sob pressão competitiva, o primeiro trabalho de determinação estrutural de Wallach foi publicado em 1893. À época, Julius Bredt foi o primeiro a propor a estrutura correta da cânfora (1893). Wagner publicou a estrutura correta do pineno em 1894, que foi confirmada por Adolf Von Baeyer em 1896. Semmler deduziu as estruturas corretas do mentol e da pulegona. Em 1895 Wallach publicou a estrutura correta do a-terpineol, ao mesmo tempo que Tiemann e Semmler.

Em 1905, perto de completar 60 anos, Wallach iniciou a preparação de um livro sobre sua obra. A publicação de seu livro coincidiu com a publicação de seu centésimo artigo na revista Liebigs Annalen, e o jubileu de prata de seu trabalho com os terpenos. O título do livro de Wallach, “Terpenos e Cânforas”, diz respeito à diferente natureza física dos terpenos: líquida (terpenos) e sólida (cânfora), com a terminologia proposta por Berzelius.

Em 1909 Wallach foi indicado presidente da Deutsche Chemische Gesellschaft, da qual se tornou membro honorário em 1912. Ao voltar de viagem à Inglaterra, soube que havia sido indicado para o Prêmio Nobel de Química.

Ao comprar um jornal vespertino em Hannover e lê-lo durante a última etapa de minha viagem para Göttingen, encontrei a notícia inacreditável que eu tinha sido indicado para o Prêmio Nobem de Química de 1910. Quando cheguei em casa encontrei o telegrama vindo de Estocolmo. Uma carta oficial do secretário da Academia Sueca e uma carta pessoal de Arrhenius confirmaram a concessão do prêmio.

Wallach recebeu formalmente o prêmio em 10 de dezembro de 1910, na Academia Sueca na presença do Rei Gustavo V. A conferência de Wallach versou sobre a história dos aromas e fragrâncias, fazendo referência especial a Jöns Jacob Berzelius e outros químicos suecos. Após um breve relato sobre o conhecimento a respeito  do isolamento e caracterização dos terpenos, Wallach concluiu sua apresentação mencionando a importância econômica da pesquisa com terpenos. O trabalho de Wallach coincidiu com a expansão da indústria de fragrâncias francesa, e muitos de seus alunos foram contratados nestas indústrias.

Wallach recebeu títulos de Membro Honorário da Chemical Society inglesa em 1908. Em 1909 recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Manchester. Em 1912 recebeu a Medalha Davy da Royal Society, o mais importante prêmio inglês de química. Wallach teve colaboração científica com William Henry Perkin. O mais famoso estudante de Wallach foi Walter Norman Haworth, Prêmio Nobel de 1937 sobre a estrutura dos carboidratos e da vitamina C.

Wallach perdeu muitos de seus estudantes para a I Guerra Mundial. No total, Wallach supervisionou 214 estudantes de doutorado. Todavia, o trabalho de Wallach é atualmente muito menos reconhecido do que de outros químicos notórios do final do século 19, como, por exemplo, Emil Fischer. Muitos pesquisadores acreditam que a química dos terpenos começou a ser investigada por Leopold Ruzicka, Prêmio Nobel de 1939. Ruzicka investigou a química dos terpenos ditos “superiores” (sesquiterpenos e diterpenos), e formulou a “regra do isopreno”. Feodor Lynen e Konrad Bloch receberam o Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina em 1964 por elucidar a biossíntese dos terpenos.

A proposta da estrutura tetraédrica do átomo de carbono foi de fundamental importância para o estabelecimento da estrutura dos terpenos. A contribuição de Wallach teve um enorme valor científico, não somente por seus achados, mas também pelo fato de Wallach se refratário a suposições estruturais, pelo fato destas poderem posteriormente demonstrar ser erradas. Wallach primava pelo rigor científico experimental, que fundamentou o valor da química dos terpenos à qual se dedicou pela maior parte de sua vida.

ResearchBlogging.orgChristmann, M. (2010). Otto Wallach: Founder of Terpene Chemistry and Nobel Laureate 1910 Angewandte Chemie International Edition DOI: 10.1002/anie.201003155



Categorias:ciência, química

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3 respostas

  1. Muito interessante a história deste cientista. Na época se pensava que um etéreo permeava o Universo, e pelo método cartesiano todos saiam a esmiuçar, e repartir, e classificar, e estebelecer o numeral correspondente, à faina da precisão, do rigor exigido pela comunidade científica para ser reconhecida como tal. Mas se repararmos em sua trajetória, emerge uma personalidade voltada à contemplação integral, onde números, e proporções, e fatos encadeados em fatias bem medidas, e classificações, e estruturações são simplesmente inviáveis:
    “Em 1856 Wallach tomou conhecimento da química ao iniciar seus estudos no Humanistiches Gymnasium. Wallach foi um apaixonado pela experimentação e pela análise química, além de gostar de filosofia, literatura alemã e arte contemporânea.”
    Esta mais notável reversão às vias epistemológicas, não apenas tecnológicas, ainda encontra aquela tradição, pueril, embora eficiente, por cujo labirinto a humanidade é surpreendida em frequentes impasses.

  2. Sem dúvida, um dos mais destacados e importantes cientistas na área da Química dos Aromas e Fragrâncias. Seus estudos, sua dedicação, levaram a elucidação da estrutura e propriedades de muitas substâncias hoje empregadas na elaboração de fragrâncias e aromas. Que seu trabalho nos sirva de exemplo e inspiração para futuras pesquisas nesta área tão importante e prazeroza que é a química das moléculas odoríferas, cujos “tijolos” fundamentais são os terpenos.

  3. gostaria de saber as formola estruras dos lipidos simples porque vem me aduvida de que as biblografias escritas nao apresentam as formula e as estrutoras dos lipidos simples

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