Governos e o Financiamento da C, T & I

O debate sobre recursos para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) teve mais um episódio nesta última semana. Em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, a Profa. Helena Nader (Universidade Federal de São Paulo), presidente da SBPC, manifestou sua frustração pelo fato da comunidade científica são ser ouvida pelo governo no que se refere à priorização do financiamento da pesquisa e inovação.

“Os cientistas não são ouvidos pelo governo porque não temos uma “bancada de cientistas” no Congresso, como têm os ruralistas. A ciência nacional cresceu e se fortaleceu, temos pesquisadores sendo disputados por instituições de pesquisa respeitadas em todo o mundo. Agora os cientistas deveriam ser ouvidos. Nós temos uma proposta para o Código Florestal, assim como temos um material que levaremos para discussão na Rio+20. Deveríamos ser mais ouvidos.”

A revista Pesquisa FAPESP publicou reportagem sobre o assunto, na qual apresenta os números do dispêndio federal em CT&I entre 2000 e 2012. A reportagem apresenta uma análise crítica da continuidade do financiamento da CT&I. O Prof. Carlos Henrique de Brito Cruz (UNICAMP), diretor científico da FAPESP, afirmou:

“A instabilidade [do financiamento] é um dos piores venenos para o desenvolvimento de um sistema de ciência e tecnologia”.

O Prof. Luiz Davidovich (UFRJ), diretor da Academia Brasileira de Ciências, disse que:

“O corte do ano passado, que parecia ser excepcional, se repete agora. O que se vê hoje vai na direção oposta do que se viu no governo passado. Parece haver inconsistência de política de ciência e tecnologia. O governo vai mandar 100 mil jovens para fazer estágios no exterior, no programa Ciência Sem Fronteiras. Mas não está preparando terreno para que eles voltem. Não adianta mandar para o exterior sem reforçar o sistema no Brasil.”

Também a Profa. Nader declarou à revista Pesquisa FAPESP

“Acredito muito na presidente Dilma, na sua sinceridade. Mas não é possível que alguém com o seu discurso, de quem acredita no potencial da ciência e da tecnologia no desenvolvimento do país, faça um corte desse tamanho. (…) na hora de cortar o orçamento, as despesas com a ciência, tecnologia e inovação são vistas como gastos, não como investimento no futuro.”

Rodrigo Loures, presidente do Conselho de Inovação e Competitividade da Fiesp, também se manifestou:

“(…) Fazendo corte no orçamento, o governo mostra que não prioriza a ciência, tecnologia e inovação enquanto estratégia de desenvolvimento nacional. Isso é extremamente preocupante. (…) É inegável que Lula colocou a inovação em seu discurso. Mas isso não chegou a alcançar o Ministério da Fazenda.”

O presidente da Sociedade Brasileira de Física, Prof. Celso de Melo (UFPE), ressaltou:

“O sentimento da comunidade científica é de perplexidade e indignação. Estamos no caminho oposto ao dos países que deram certo.” Segundo Melo, a reversão de expectativas pode comprometer as estratégias de crescimento da ciência brasileira. “Temos recebido a demanda de pesquisadores de outros países, e mesmo de brasileiros radicados no exterior, querendo trabalhar aqui. Num quadro de corte, não seremos capazes de atrair talentos. A ciência precisa de continuidade para prosperar.”

Até aí, tudo bem. O problema é que a relação entre governos e pesquisadores nunca foi muito tranquila. Nem aqui no Brasil nem em outros países. Devido à crise econômica, vários países europeus promoveram cortes pesados no orçamento da CT&I (veja aqui, por exemplo). Quando a economia vai mal, parece que governos sistematicamente deixam de lado o financiamento da pesquisa e da inovação.

Qual a razão para isso? O que é preciso para se mudar este quadro?

Talvez fosse interessante escutar a presidente Dilma Rousseff explicar quais os motivos de tais cortes, se não existem opções e quais são as alternativas consideradas pelo governo para o financiamento da pesquisa científica, do desenvolvimento tecnológico e da inovação. A revista Ciência Hoje, por exemplo, poderia tentar conseguir uma entrevista com a presidente Dilma sobre este tema, considerado por pesquisadores, empresários e gestores do financiamento da pesquisa de particular importância para o desenvolvimento do Brasil como nação.

O último número da revista Nature publicou entrevistas com os dois principais candidatos à presidência da França, Nicolas Sarkozy e François Hollande, sobre o financiamento da ciência, autonomia universitária, gestão do sistema de financiamento da ciência, fontes para geração de energia e pesquisa com células-tronco. Leia aqui.

ResearchBlogging.orgButler, D. (2012). A question of science Nature, 484 (7394), 298-299 DOI: 10.1038/484298a



Categorias:ciência, pesquisa científica, política científica

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2 respostas

  1. Interessante discussão. Sou estudante de mestrado e tenho plena certeza do que quero para minha vida profissional: fazer ciência para a sociedade e para satisfação própria. Mas fico extremamente preocupado com notícias como estas, discutidas neste texto. Investimos anos de dedicação e esforço contínuo para nos formar pesquisadores, para no fim das contas não ter certeza se receberemos dinheiro para fazer ciência de verdade. Da graduação ao pós-doutorado são no mínimo 12 anos de dedicação intensa, mas no fim nem todos que passam por esta formação recebem uma estrutura e verba condizente com a sua alta qualificação.

    A solução? Bom… o sentimento claro de indignação é um bom começo. A discussão em blogs e cia também. Caro Roberto, parabéns pelos ótimos textos. Leio sempre.

    • Oi Rafael,

      Muito obrigado pelo seu comentário.

      O que é estranho em toda esta situação foi a repentina mudança na política governamental, que dava apoio de maneira consistente ao financiamento da pesquisa e da inovação no governo anterior. Muita gente deve estar surpresa.

      Tudo de bom,
      Roberto

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